Wednesday, November 19, 2008

Prefácio à segunda edição

«Escrevo-te da Montanha, do sítio onde medram as raízes deste livro. (...) Encontrei tudo como o deixei o ano passado (...) Apenas vi mais fome, mais ignorância e mais desespero. Corre por estes montes um vento desolador de miséria que não deixa florir as urzes nem pastar os rebanhos. O social juntou-se ao natural, e a lei anda de mãos dadas com o suão a acabar de secar os olhos e as fontes. Crestados e encarquilhados, os rostos dos velhos parecem pergaminhos milenários onde uma pena cruel traçou fundas e trágicas legendas. Na cara lisa dos novos pouca mais esperança há. (...) Mas nem tudo se imprime. Ao lado do soneto ou do romance que a máquina estampa, fica na alma do artista a sua condição de homem gregário. (...) estava certo que tu, habitante dos nateiros da planície, terias em breve compreensão e amor pela sorte áspera destes teus irmãos. Que um dia virias ao encontro da aridez e da tristeza contidas nas suas fragas, não como leitor do pitoresco ou do estraho, mas como sensível criatura tocada pela magia da arte e chamada pelos imperativos da vida. Prometi isso porque me senti humilhado com tanto surro e com tanta lazeira, e envergonhado de representar o ingrato papel de cronista de um mundo que nem me pode ler. (...)»

Miguel Torga em Novos Contos da Montanha

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